2024 – em processo

Brutal é uma dramaturgia em processo, selecionada pelo Itaú Cultural – Novas Dramaturgias 2024, e apresentada em pitching no Festival de Avignon, em 2025.
É uma peça em construção, que se estrutura em devires – atravessamentos do tema do “mal”.
O mal como desconstrução do não-mal. O ocasional, o inconsciente, o sacrifício, a morte, a mentira.
A travessia do medo de ser odiado até a verdade – e essa verdade, inevitavelmente, acoberta outras mentiras.
Devires:
- Devir Padre Trans
- Devir Papa — Joana, a Papisa Grávida
- Devir Joana D’Arc / Joana Dark
- Devir Vítima — Jó bíblico
- Devir Vilão — o verdadeiro salvador (?)
- Devir Final — o universo
Os devires não são estanques: contaminam-se, sobrepõem-se, dissolvem-se uns nos outros.
Nada termina antes que outra coisa comece.
Tudo, de algum modo, retorna ao padre – o narrador cínico, o MC satírico, o filho de Satã.
Devir Padre Trans: “eu me transformei em homem porque repúdio a cara de vítima de uma mulher.”
Devir Jó: narrar o indizível, o horror que não cabe em imagem – o profissional da dor.
Devir Joana Dark: “Deus me pediu pra comer um rato, Deus me pediu pra dizer isso.” Violência com a galinha. Joana sem espada.
Devir Papisa: a mentirosa, a grávida, a cega. A pessoa de buceta que chegou mais longe na história ocidental (sob o ponto de vista cristão).
Devir Vilão: o que, das alturas da razão, reconhece a própria desgraça — “toda a vida parece uma enfermidade maligna e o mundo, um manicômio” (Goethe).

Sinceramente, eu não tenho uma boa razão pra escrever essa peça.
Tenho péssimas razões.
Você me perguntou uma vez se, ao escrever um cara trans vestido de padre que fala e faz barbaridades, eu não estaria colocando “a minha comunidade” nesses termos.
Eu te ignorei. Virei as costas fingindo que nem ouvi.
Mas era exatamente isso. Essa talvez seja a maior razão pra fazer Brutal: contaminar tudo. Cagar na porra toda.
Veja como ainda tenho raiva.
Pensei nessa pergunta me culpando. Onde foi que eu não fui claro?
Eu quero falar sobre o que eu quiser.
Eu não escrevo pra edital.
Escrevo o que me atravessa.
Meus temas são sempre os que estão no limite da consciência – os que eu não entendo, mas preciso dizer.
Primeiro o inconsciente, depois o entendimento.
Antes de tudo, é sensação.
E hoje, antes de ser uma pessoa trans, sou um ser humano que deseja – que quer falar violência, gratuidade, desejo puro.
Se isso tem relevância, o tempo dirá.
Você me moveu.
Espero que, nesse trabalho, eu fique menos na defensiva e possa dialogar com você, mesmo que soe ofensivo.
Gosto de ser também.
Tenho medo de que pisem em mim, então preciso me chacoalhar pra ter certeza de que ainda tem uma alma aqui.Essa é a mesma violência que eu aconselho e evito.
O único lugar onde me permito morder até arrebentar os dentes é o teatro.
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